sábado, 10 de março de 2012

Dos Suicidas IV

Cap. 1. A morada dos Suicidas (Cont.)

(...) Então, olhando á sua volta, percebe estar sendo seguido e observado por inúmeras criaturas estranhas, algumas cobertas de andrajos, outras seminuas, outras completamente nuas. São homens e mulheres, jovens e velhos. Aquela pequena multidão começa a lhe falar, todos ao mesmo tempo, reconhecendo nele um recém-chegado, devido aos seus trajes, agora somente calça de brim e botas, ainda estarem em bom estado.

Um rapaz aproxima-se dele e começa a falar. Tem a cabeça tombada sobre o ombro direito. Explica que teve o pescoço quebrado devido ao enforcamento, forma com que pusera fim á sua vida. (...)

Outro grita desesperado  com  a dor insuportável que sente. Tem o corpo todo coberto por queimaduras. Derramou gasolina sobre si e ateou fogo. A partir daí, não conseguiu ter um instante sequer de alívio. Continuava ali se vendo ainda rodeado pelo fogo que ateara em si, e sentido aquele cheiro horrível de sua carne sendo consumida pelas chamas.

Aquelas narrativas o enlouquecem. Seu desespero, que já era intenso, passou a ficar insuportável.

Em seguida, aproxima-se um homem todo mutilado, caindo aos pedaços. E o mais curioso é que os pedaços, mesmo caídos ao seu redor, acompanham-no aonde quer que ele vá. Aquela cena tétrica é aterradora e deplorável. Certo dia, desolado e cansado de tudo, resolveu matar-se. Embebedou-se e foi até a estrada de ferro e se jogou em frente de um trem que passava, ficando completamente despedaçado. 
E agora, ali está ele, totalmente desfigurado, continuando a sentir dor atroz e tendo que arrastar consigo os seus pedaços que, segundo explica, por incrível que pareça, apesar de separados de seu corpo, doem muito também.

Então lhe vem à lembrança de sua triste realidade: já não mais está no mundo dos vivos. Perdera totalmente sua identidade, seus parentes, seus amigos, seu grande amor, sua paz e os prazeres que a vida lhe oferecera um dia. Agora era tarde demais para voltar atrás, pensa. Seu caso já não tem solução. E o que está feito, não está por fazer. (...)


"No vale dos suicidas - Hevaristo Humberto de Araújo"

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